quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

O dilema dos jornalistas: confiar ou não nas fontes oficiosas

Fátima Mimbire, jornalista da AIM, repórter de fibra das poucas que admiro no jornalismo de imprensa - tal como Conceição Vitorino do Zambeze/Canal de Moçambique -, escreveu no Notícias de hoje um interessante texto de opinião que traz à tona o velho dilema dos jornalistas: dar crédito ou não às fontes oficiosas, aquelas que muitas vezes são responsáveis pelos melhores "scoop" ou "cachas", ou "breaking news" exclusivos na televisão em directo.
A trilogia da fuga de Anibalzinho foi responsável pela última sequela: Atanásio Marcos, pivot do Jornal da Noite da STV e editor de política d'O País conduziu um invulgar serviço noticioso alongado num destes dias, para tentar confirmar a informação da recaptura de Anibalzinho. Correu todos os riscos e confiou nas suas fontes. A AIM também noticiou. Os Repórteres Sem Fronteiras divulgaram para o mundo a mesma informação da recaptura de Anibalzinho. Dias depois, o Ministro do Interior veio dizer que se tratavam de rumores tendenciosos ou maliciosos, descredibilizando assim a "notícia" cujo emissor principal fora precisamente o seu por acaso afilhado de casamento.
Fátima Mimbire vem expôr o dilema que um eminente estudioso do fenómeno jornalismo já chamou de relação amor/ódio (entre jornalistas e fontes), e outro já considerou como uma dança esta negociação entre fontes e jornalistas.
O texto da Fátima Mimbire acrescenta um elemento hoje fulcral nas relações humanas, o telemóvel: através do bem-amado SMS, veículo poderoso de informação instantânea. Não admira que os jornalistas do Zambeze e do Magazine Independente coloquem na ficha técnica os seus números de celular privados como meios de contacto oficiais como quem diz: estou disponível 24 sobre 24 horas, a notícia é o "pão nosso de cada dia".
O texto de Fátima Mimbire faz-me lembrar a coluna, há uns anos, de Mia Couto no jornal domingo, O Queixatório. Este era um caso digno de estudo pelo Queixatório...só que não pelos leitores, mas pelos próprios jornalistas. Como já não há queixatório, rogo tal função, desta feita como Consultório de Media, à blogosfera.
Leiam o texto e venham daí as vossas sugestões: como lidar com as fontes?
A relação entre jornalistas e as fontes de informação
Por Fátima Mimbire, da AIM
DE há uns tempos para cá tem sido frequente que nós, jornalistas, e até o público em geral recebamos SMS´s dando conta de que acaba de acontecer isto ou aquilo no país ou no resto do mundo, como foi o caso da detenção do antigo Ministro do Interior, Almerinho Manhenje, que, neste caso, mexeu com o céu e a terra moçambicanos, talvez porque era a primeira vez que um antigo ministro era detido em pleno dia, acusado de corrupção.
Maputo, Quinta-Feira, 18 de Dezembro de 2008:: Notícias

Como é óbvio, para nós, jornalistas, sempre que nos chega este tipo de informações via SMS´s ou através doutra fonte qualquer não oficial, a nossa primeira reacção é procurar ouvir a quem de direito, para apurarmos se o que se diz é ou não verdade.
Foi, pois, via SMS que tomámos conhecimento, pela primeira vez, da detenção de Manhenje, Cambaza e de outros tantos grandes antigos dignitários do nosso Governo, que aparentemente se deixaram cair na tentação do dinheiro, tal como aconteceu com Judas, quando vendeu Cristo, e ter-ão-se apoderado do erário público.
Foi também por via SMS´s que soubemos, em primeira água no domingo dia 7 deste mês que o famigerado Anibalzinho tinha voltado a se escapulir ou a ser solto por aqueles que o deviam guarnecer na cela do Comando da Polícia em que se encontrava desde que fora recapturado quando já estava no Canadá.
Tem sido também através de SMS´s que temos tomado conhecimento primário de outras tantas ocorrências susceptíveis de se noticiar, como dos repetidos incêndios que amiúde têm devorado algumas das instituições públicas, e que para alguns são fogo para se destruir evidências das falcatruas que ao longo de anos foram sendo feitas, para que os seus autores não sejam também chamados a responder nos tribunais.
Há que vincar que de todas as vezes que recebemos este tipo de informações, o que muitos de nós têm feito é tentar confirmar junto das autoridades competentes ou de direito, ou tratamos de correr para o local onde as coisas estejam a acontecer, quando se trata de algo que podemos ver “in loco”, como é o caso de um incêndio.
Assim o fizemos quando nos chegou via SMS a informação de que Manhenje, Cambaza… tinham sido detidos, do mesmo modo que solicitámos a confirmação de que Anibalzinho tinha voltado a fugir na manhã do domingo dia 7. Há que destacar também que de todas as vezes que recebemos estas SMS´s, veio a se verificar que era verdade, se bem que havia alguns aspectos que precisavam de ser limados, como quando se dizia que Manhenje foi detido em plena aula perante o olhar impotente dos seus estudantes no ISRI onde dava aulas.
Curiosamente, esta fonte, digo SMS, voltou a nos dar, na noite da segunda-feira última, a surpreendente informação de que Anibalzinho havia sido, uma vez mais, recapturado quando se encontrava na zona da Namaacha, presumivelmente a caminho da Suazilândia ou África do Sul. Tal SMS havia sido enviada a vários outros jornalistas da AIM, RM, STV, só para citar alguns dos órgãos que há no nosso país, pelas mesmas fontes policiais que no passado lhes haviam, por assim dizer, chutado outras SMS´s que mais tarde viriam a se confirmar que estavam reportando factos verídicos noticiáveis, e não falsos como se diz agora deste caso da propalada recaptura do Anibalzinho.
Importa referir que os jornalistas que receberam essa mensagem, alguns deles, como eu pessoalmente, tudo fizemos naquela noite para tentar obter uma confirmação junto dos responsáveis da nossa Polícia que têm esse dever de (des)confirmar este tipo de informações do tipo diz-se, diz-se que…o Ministério da Agricultura está a arder, que fulano de tal foi preso, que fugiu ou que foi mesmo abatido.
Só que desta vez tais responsáveis optaram não só pelo mutismo tanto deles como dos seus porta-vozes, como não atenderam os seus telefones ou celulares, o que nos colocou numa situação de tensão e de não sabermos como desfazíamos esta SMS, se devíamos ou não assumir como verdadeira essa informação. O pior é que mesmo o tradicional “briefing” das terças-feiras às 10 horas não se realizou e não houve nenhuma explicação do porquê. Perante este mutismo, alguns de nós, como eu, optamos por recorrer a certas nossas fontes fidedignas que temos na corporação policial, e que muito embora não estejam oficialmente investidas desse poder de dar informação em primeira mão, ou pelo menos confirmar o que esteja a circular através das SMS´s, nos têm mesmo assim sido fontes credíveis e seguras, para através delas furarmos a cortina de ferro ou de silêncio das fontes autorizadas.
Foi o que eu fiz nessa noite de segunda-feira. O que me levou a tomar como verdadeira a informação de que Anibalzinho tinha sido uma vez mais recapturado é que me foi confirmada pela mesma fonte policial que há vários anos me vem confirmando outras ocorrências, como foi o caso da detenção de Manhenje, antes de ser oficialmente confirmada pelas fontes autorizadas. O que também me levou a assumir que desta vez devia ser verdadeira é que fiz também o que nós, jornalistas chamamos de cruzar fontes, consistindo em contactar colegas de outros órgãos de comunicação, para verificar se eles também têm a mesma informação das suas próprias fontes. Uma vez feito isso, soube que eles tinham de facto tido essa mesma informação de fontes que têm primado pela verdade e que nunca os desiludiu. Uma vez cruzadas as fontes, não vi outra razão que me detivesse de publicar a notícia.
Só que, estranhamente, desta vez afinal nos confirmaram uma informação falsa (?), o que pelo menos para muitos de nós o fizeram pela primeira vezdesde que começaram a nos passar informações já há vários anos!
Neste momento, alguns de nós temos estado a reflectir e a ponderar o que fazer agora no futuro: se devemos deixar já de contar com estas fontes não oficiais, para que não passemos a noticiar outras falsidades como o fizemos agora, para passarmos apenas a contar com as fontes autorizadas. Quanto a mim, acho que para evitar voltar a fazer uma notícia falsa como fiz agora, deveria nunca mais basear-me nessas fontes extra-oficiais. Só que me deparo com um problema que caso não seja resolvido - que é esse das fontes oficiais terem o hábito de não dar informação em tempo real ou de não darem mesmo nenhuma, optando por não atender os seus celulares, não vejo outra alternativa que não me basear nestas não oficiais, tanto mais que provaram que são muito eficientes, para além de que só falharam até aqui uma só vez, após vários anos de nos prestarem um alto serviço.
Creio que vale a pena continuar a contar com elas, se quisermos evitar que um dia o público seja atingido por um “tsunami” sem que tenha sido alertado antes. Digo isto porque se um dia as nossas costas forem atingidas por este tipo de calamidades, as SMS´s iriam nos alertar primeiro que as nossas fontes oficiais. Mesmo aquando das explosões do Paiol aqui em Maputo, quem nos alertou em primeiro lugar foram as SMS´s, e depois a Imprensa, e só muito mais tarde é que veio a informação oficial das fontes oficiais. Ora, esta lentidão em providenciar informação pode ser catastrófica em certas ocorrências do tipo “tsunami” ou terramoto.
O que prova que há lentidão na reacção oficial é que mesmo esta notícia sobre a tal recaptura do Anibalzinho levou mais de 24 horas para ser desmentida pelas fontes oficiais, o que julgamos que foi tempo demais para uma notícia desta envergadura. Na verdade, assim que as horas foram passando e não se ouvia nada dos responsáveis da Polícia, o público foi assumindo que a notícia era verdadeira. Muitos acreditaram porque se basearam no adágio que reza que quem cala consente.
Muitos perguntam-se agora o que se terá passado com os porta-vozes da Polícia, para as autoridades competentes terem visto na STV, por exemplo, e lido no dia 9 em vários jornais que Anibalzinho havia sido recapturado, e terem-se mantido mesmo assim caladas, quando sabiam que não era verdade, e só virem desmenti-la passados quase dois dias!?
Será isto normal? Claro que não. Isto é grave, porque se fosse uma notícia falsa que colocasse o público em pânico, como do tipo de que há um “tsunami” que está a aproximar-se da nossa costa, ou um devastador temporal do tipo “Katrina” que há cerca de dois anos devastou a cidade norte-americana de Nova Orleans, e forçou os seus habitantes a saírem em debandada, teríamos já muita gente morta, ou pelo menos que se teria sacrificado durante mais de 24 horas em vão, a tentar fugir ou mesmo saltar dos seus prédios, quando afinal não havia perigo nenhum. Pensamos que as autoridades do nosso país têm o dever não só de dar informação que seja útil aos cidadãos, como a devem dar em tempo real, sob pena de perderem a credibilidade do público que, neste caso, se assumem como estando ao seu serviço.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O Zambeze na linha da frente: jornalismo à americana em tempo de campanha

Camaradas (sem cartão vermelho!) da blogosfera, estou de volta! Não vou fazer promessas, nestes tempos de campanha no Moçambique autárquico. Regresso oportunisticamente à propósito deste momento eleitoral.

Para quem acompanha as eleições americanas, o processo todo desde às primárias, passando pela nomeação em convenções dos dois grandes partidos e pela campanha propriamente dita...até o dia da eleição, não lhe escapará que este é um momento para a media brilhar com o seu jornalismo de escândalos.

Os escândalos dos candidatos são servidos para o público qual "buffet". Faz-se um escrutínio até ao pormenor mais mesquinho, qual "voyeurismo jornalístico" em nome da transparência e do Accountability. Eu, consumadamente homem de media, confesso que não resisto expectante pela próxima grande revelação sobre a vida dos candidatos, na América do Azul e Vermelho.

Descendo ao nosso chão eleitoral, esta semana, o Zambeze - o jornal que não se acobarda por nada, temerário - vem à capa com um potencial escândalo do candidato da FRELIMO ao Município da Beira: Lourenço Ferreira Bulha. Na dianteira, desse jornalismo à americana que procura "fussar" a vida dos candidatos. Estou na expectativa de ver, quer a media dita oficiosa (quero dizer pública), quer a chamada independente, se farão o "follow-up" deste assunto. Se será tema de campanha? (O que determina a agenda dos media, neste tempo de campanha eleitoral? Seguidismo puro da maratona das promessas e súplicas dos candidatos, na caça ao voto? Diz-se que os candidatos não apresentam o seu manifesto eleitoral...caberá a nós jornalistas perguntar no abstracto: qual é o seu manifesto eleitoral? Ou caber-nos-à perguntar aos académicos conhecedores de políticas públicas e aos planificadores das mesmas, que questões concretas devemos colocar aos candidatos?)
Gostaria de perceber dos bloggers se é um tema pertinente este, em tempo de campanha, sendo Bulha um potencial servidor da coisa pública. Estou expectante em ver se algum jornalista há-de, pelo menos, colocar o microfone e perguntar retoricamente "engraxante": Lourenço Bulha, quer comentar a matéria do Zambeze?
Que Bulha!

Adiante a matéria:

Comprovam documentos oficiais em poder do ZAMBEZE

Candidato da Frelimo a Edil da Beira envolvido em negócio ilegal de terra

Lourenço Bulha e sua mulher Eucelia Sacramento Monteiro Bulha implicados em venda de terra urbana, a troco de dívida, à seguradora IMPAR, agora SIM do Millennium-bim, por 350 milhões de meticais

Beira (Canal de Moçambique) - A terra é propriedade do Estado e não deve ser vendida ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada. É isso que determinada a Constituição da República de Moçambique no seu artigo 109. Mas é frequente ouvirmos histórias que a serem verdadeiras seriam a prova de que este preceito constitucional terá sido imensas vezes violado. Até aqui, pelo menos nós, não conhecíamos qualquer caso em que se pudesse provar que até mesmo agentes em funções em organismos tutelados pelo Estado, no que à Terra diz respeito, incorrem em violações à Constituição da República de Moçambique. Contudo, agora, pela primeira vez conhece-se um caso concreto, passado na Beira, que envolve duas pessoas que na altura exerciam cargos de elevada responsabilidade na própria autarquia e praticaram e/ou permitiram acto de flagrante violação da Constituição envolvendo uma companhia de seguros privada, a IMPAR, agora designada por SIM, em processo de venda de título de uso e aproveitamento de terra por 350 milhões de meticais . Como o comprovam provas documentais em nosso poder, trata-se de um caso que implica em negócio de compra e venda de terra o então presidente da Assembleia Municipal da Beira e actual candidato pelo partido Frelimo ao cargo de presidente do Conselho Municipal, Lourenço Bulha, e envolve ainda a IMPAR – Companhia de Seguros de Moçambique, hoje designada por SIM, pertencente ao grupo Millennium-Bim. Aliás é um caso que teve o aval do então Edil da Beira Chivavice Muchangage e mesmo até do Ministério da Justiça através da Conservatória do Registo Predial da Beira como não deixa dúvidas uma certidão emitida a 1 de Abril do corrente ano e em que vem explicito que a IMPAR “adquiriu por compra” o terreno a Lourenço Bulha e esposa. O caso está consumado e para contar esta história bastou-nos reunir documentos. Está tudo escrito e oficializado. E não há dúvidas de que o negócio é o primeiro de que se conhece prova de venda ilícita de terra em Moçambique. A questão começa com a concessão do terreno feita a Lourenço Ferreira Bulha, a 14 de Dezembro de 1998, pelo presidente do Conselho Municipal da Beira de então, Chivavice Muchangage. Trata-se de uma parcela na baixa da cidade, ao lado do Cinema Nacional, em frente da Livraria Clássica, uma empresa também alienada pelo Estado ao mesmo cidadão, Lourenço Bula. Reza o título emitido sem que houvesse pelo menos um terço de benfeitorias concluídas como recomenda a legislação, que “por tempo indeterminado” e livre de qualquer taxa – “sem nenhuma taxa anual”, como se lê no documento que estamos a citar, Lourenço Bulha é titular da autorização de uso e aproveitamento da terra de 2.535,663 metros quadrados . Trata-se de uma parcela que é contornada pela Rua António Enes, Avenida D. Diniz, R. da Cruz Vermelha e pela Rua Costa Serrão, talhão 64-A. Na Conservatória do Registo Predial conta que em 1999, a 11 de Fevereiro com o nr. de inscrição 10229, a folhas 178 do Livro F-10, foi registado a favor de Lourenço Ferreira Bulha, casado em regime de comunhão de bens adquiridos com Eucelia Sacramento Monteiro Bulha , residentes no Terceiro Bairro Ponta Gêa, foi registado o direito de uso e aproveitamento de terra, do prédio (NR. Designa-se juridicamente por prédio o terreno mesmo sem edificações) descrito sob o nr. 9954, a flhs 127, do Livro B-29, constante deste título. Já segundo o documento em nosso poder, da mesma conservatória, e sem que haja no terreno qualquer edifício construído, sendo até hoje um terreno baldio, o mesmo terreno aparece registado em nome da seguradora «IMPAR – Companhia de Seguros de Moçambique, SARL», agora SIM, do Grupo Millennium-bim. O Registo tem a data de 11 de Novembro de 2003 e está inscrito sob o n.º 16364, a folhas 118, do Livro D-18. Pouco tempo dias depois houve eleições em que venceu a Renamo e Daviz Mbepo Simango passou a ser o Edil da Beira. Lourenço Bulha, é candidato pela Frelimo a edil da Beira nas eleições da próxima quarta-feira. Daviz Simango é o actual edil e candidata-se como independente mediante proposta do Grupo de Reflexão e Mudança, liderado pelo ex-governador de Sofala Francisco Masquil.
E que prova há de que houve venda de terra? Mas que prova é esta de que Lourenço Bulha se envolveu em negócio ilícito de terras? Eis a questão que colocamos a nós próprios. Rapidamente nos chegou a resposta. O Grupo VIP é hoje o titular do DUAT, isto é do Direito ao Uso e Aproveitamento da Terra. Tendo expirado o prazo de aproveitamento que tinha Lourenço Bulha, o município concedeu o espaço a outro, mais precisamente ao Grupo VIP. Mas acontece que Lourenço Bulha não podia vender a terra porque não a aproveitou isto é por não haver feito no terreno pelo menos um terço do que prometera fazer aquando do pedido de concessão interposto no Conselho Municipal da Beira. Perdeu a concessão. Esteve mais de cinco anos com o terreno e nada construiu. Mas a seguradora IMPAR agora SIM diz-se proprietária do terreno. E porquê? Porque Lourenço Ferreira Bulha o vendeu para pagar uma dívida à seguradora.Vendeu, aliás, o título de uso e aproveitamento o que é manifestamente ilegal apesar da operação de compra e venda ter tido cobertura do próprio Ministério da Justiça. Uma cópia do contrato com o título contracto promessa de compra e venda entre Lourenço Ferreira Bulha e a IMPAR reza que o referido terreno foi valorizado em 350 milhões de meticais da velha família e serviu para pagar uma dívida de 257.435.008,00 MT. Na altura ainda vigorava a velha família do metical. Hoje serão 257.435,00 MTn. No contracto assinado a 23 de Junho de 1999 lê-se (sic): “É celebrado o presente contrato-promessa de transferência de uso e aproveitamento…”. E isto é que é manifestamente ilegal e conforma um crime dado ser uma operação não permitida pela Constituição da República e por lei. Só é permitido vender benfeitorias, não títulos de uso e aproveitamento de terra como foi o negócio, de acordo com o que vem expresso no contrato de compra e venda estabelecido entre Bulha e a seguradora. Lê-se ainda no contrato de compra e venda que a IMPAR “é credora” de Lourenço Bulha, por falta de pagamento de “vários prémios de seguro em dívida” no montante de 257.435,00 MT e que Lourenço Bulha “é titular do direito de uso e aproveitamento do talhão 64-A, sito na cidade da Beira e descrito sob o n.º 9954, a fls 127 do Libro B-29, cuja área é de 2.535,63 m2”. Consta também do contracto assinado por Bulha e pela IMPAR, agora SIM, em 23 de Junho de 1999, que Lourenço Bulha pelo presente contrato-promessa…compromete-se a transferir o título de uso e aproveitamento para a seguradora e esta a pagar-lhe a diferença entre o valor da dívida (257.435,00 MTn)e o valor por que foi avaliado o terreno (350.00,00 MTn). Dessa forma acabaram a seguradora e Lourenço Bulha por se envolverem numa negociação com todos os contornos de ilegalidade. A forma como este assunto vai ser tratado pelas autoridades poderá abrir no entanto caminho para que outros cidadãos até aqui impedidos de fazer o mesmo saibam com que linhas se podem passar a coser. Veremos qual será o comportamento da Procuradoria da República na Província de Sofala, com sede na cidade da Beira. (Fernando Veloso)

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Entrevistas Com História

Chamava-se Oriana Fallaci. Era uma grande jornalista, mestre do género mais fácil de se executar (porque se ser jornalista é perguntar, então qualquer um pode sê-lo, basta apenas ter coragem de...perguntar) pelos jornalistas e paradoxalmente o mais difícil de dominar pelos jornalistas (porque perguntar, jornalisticamente, é questionar, é problematizar, é contra-argumentar sem opinar).

Os meus camaradas de ofício, Nelson Saúte, Ericino de Salema e Policarpo Mapengo adoram citá-la, como o paradigma do bom entrevistar. Uma das mais famosas obras de Fallaci foi precisamente “Entrevistas Com a História”. Fiz esta menção-homenagem a Fallaci a modos de saudar o regresso da Grande Entrevista aos media nacionaisk, mormente STV/O País e Jornal SAVANA. E, curiosamente, parece que todas elas com um propósito quase que combinado, articulado: entrevistar figuras-chave na história do País para trazer à esfera pública o debate da nossa história.

São, pois, “entrevistas com a história”, aquelas que nos últimos três meses vimos desfilar no SAVANA, na STV e no País, com Jorge Rebelo, Jacinto Veloso, Graça Machel e agora Sérgio Vieira. Faltam-me, parece, nesse círculo de entrevistas figuras como o recém-homenageado “causídico primeiro” Domingos Arouca (como fonte alternativa e capaz de desfrelimizar a nossa visão da nossa história), Malangatana Valente Ngwenya, Lina Magaia. Espero, sinceramente que venham desfilar mais figuras desse porte na nossa história, e sobretudo os media nos ofereçam fontes alternativas.
Do cruzamento dessas fontes, das leituras nas entrelinhas do que eles (não) dizem, quem sabe construiremos o desígnio a que convidou-nos Severino Ngoenha: “Por Uma Dimensão Moçambicana da Consciência Histórica”.

Só com Consciência Histórica podemos almejar e empreender o Desenvolvimento. E Só com História – inabalável, factível, desfrelimizada - podemos ter Consciência Histórica, Causa Comum (a luta pelo Bem Comum) e só assim o Projecto Nação se realiza...
Caso contrário, continuaremos a ser uma sociedade em que somos Predadores de Nós Próprios, Estrangeiros de Nós Próprios, em que o individualismo arrivista e autofágico, qual corrida ao capital, impedirá que grandes propósitos como o ditoso Combate à Pobreza.

Eis que me regozijo pelo meu tão almejado papel dos media na (re)construção da nossa história. Espero que seja uma Agenda Consensual dos Media, em nome do Interesse Nacional.
A opinião de Noé Nhantumbo

A propósito das Entrevistas Com História, transcrevo uma opinião de uma das vozes mais críticas ao regime, que escreve directo do Chiveve, Noé Nhantumbo – sem que subscreva completamente a sua opinião, publicada na edição de segunda-feira, 18 de Agosto do Canal de Moçambique, confesso que aprecio alguns dos seus posicionamentos...com muita carga de “bias” é claro, mas opiniões próprias... porque eu adoro o dissenso!

Canal de Opinião: por Noé Nhantumbo, Entrevistas com ilustres e ziguezagues discursivos

Muita palha pouco arroz...

Beira (Canal de Moçambique) - A única coisa de interesse que se deve dizer é que finalmente algumas vozes entre os ilustres libertadores se começam a ouvir. Parece que de uma maneira ou de outra, certas pessoas que tiveram o mérito de consentir sacrifícios para Moçambique fosse um país independente estão conseguindo vir a publico contra um pouco daquilo que são as suas ideias. Aquilo que não conseguem dizer pode-se ler nas entrelinhas. Pelas perguntas que os jornalistas se atrevem a fazer e pelas respostas pode-se concluir que parte dos nossos libertadores não está satisfeita com o rumo das coisas no país. Claro que não é fácil de um momento para outro renegar todo um passado. Também julgo que não se pretende isso. O que os moçambicanos pretendem e necessitam é que a discussão dos assuntos do país não seja centralizada na capital e que tais assuntos tenham também como referencia aquilo que pensam os outros cidadãos no país. Afinal ninguém é proprietário absoluto da razão e o país não é só Maputo, como é óbvio. As entrevistas que recentemente tem passado nos órgãos de informação tem um aspecto positivo que é colocar pessoas importantes a falarem. Está claro que não há concordância mas que também existe relutância em se colocarem ao lado dos que defendem que a liderança nacional está falhando em muitas das opções escolhidas. O socialismo que existia nas mentes de alguns desapareceu e agora, como órfãos desprotegidos, procuram dizer aos moçambicanos que não estão arrependidos pelo que fizeram no passado. São afirmações circunstanciais e que acontecem numa situação em que ainda gozam de uma protecção que o regime do dia lhes oferece. Se a situação fosse diferente é de imaginar que alguns deles já teriam ido para o exílio, embora não seja isso que se recomenda pois só em liberdade, se poderá discutir e escrever a verdadeira História. Nota-se em quase todos os discursos e entrevistas que as pessoas não estão preparadas para reconhecer que houve muitos erros e excessos da parte daqueles que se diziam com razão e defendendo alegadamente a linha revolucionária no quadro do movimento de libertação de Moçambique. De toda a experiência relatada nas entrevistas que alguns ilustres dão, é de notar a fuga perante perguntas pertinentes e que os moçambicanos precisam de saber. Não conseguem dizer abertamente que as coisas andam mal porque o partido no poder ficou vazio de iniciativas. Não há uma linha clara de orientação ideológica. As pessoas aproveitam tudo o que podem neste capitalismo selvagem de génese nitidamente política e sobretudo partidária. Hoje os companheiros de ontem aparecem falando, mas não conseguem dizer que o que os unia já não existe. Hoje os valores que se defendem são as contas bancárias e os palacetes, os terrenos, os hotéis, as estâncias turísticas, as empresas de telecomunicações, as participações no capital de empresas de transporte ferroviário. Hoje o luxo já não é inimigo da revolução como se ouvia dizer num passado relativamente recente. Infelizmente os entrevistados não nos conseguem explicar como foi que camaradas seus de repente se tornaram capitalistas. Não tem explicação plausível a origem da depredação do parque industrial estatal, nem da destruição da rica experiência de capitalismo estatal que existia. Hoje tudo o que de positivo havia sido feito nos tempos da primeira república foi propositadamente enterrado como se de algo com peste se tratasse. O aparecimento de alguns ilustres falando é de facto importante e interessante. Mostra que afinal a tal discussão interna dos assuntos ao nível de seu partido não é tão linear como querem fazer entender. Quando aparecem trânsfugas é porque não existe ambiente interno para a discussão ou abordagem de assuntos considerados importantes. Quem afirma que não existem alas na Frelimo esta mentindo com os dentes todos. Existem, mesmo que seja ao nível do capital acumulado por aqueles que tiveram êxito e os que se deixaram ficar a dormir na hora da repartição do espolio, ou que foram simplesmente esquecidos devido à sua marginalidade ou alegada falta de importância no contexto em que realizavam as partilhas. O centralismo declaradamente existente no capítulo da deliberação dos caminhos a seguir, não oferece espaço para que alguns dos ilustres se façam ouvir. Até porque já não fazem parte dos órgãos centrais do partido nomeadamente a sua Comissão Politica. Aquele poder que algum dia tiveram no passado já não existe. A sua tentativa estóica de defender factos que todos sabemos não corresponder à verdade é um serviço para o seu partido de sempre. Só que este partido já não é o mesmo. Moçambique precisa de mais intervenções de pessoas que tiveram um passado relevante na sua história. Só que isso tem de significar apresentar opiniões que ajudem o país a desenvolver-se e não aparecerem pessoas que nos queiram fazer engolir sapos vivos e a história falseada. É uma situação caracterizada por uma avalanche discursiva sem qualquer relação concreta com os procedimentos que fazem falta. Mostra-se um exercício sem utilidade prática. E se excluirmos os claros objectivos eleitoralistas que esses exercícios encerram, pouco mais resta. Falta uma grande dose de coragem da parte dos ilustres entrevistados para avançarem com ideias que julgamos que terão quanto à situação concreta que se vive. Não estamos dispostos a acreditar que nada tem a dizer quanto ao estado lastimável da actuação da administração da justiça, da polícia, das opções na agricultura, de migração, da banca e de muitos outros temas. Nada é tão linear como nos procuram fazer entender. A falência do marxismo que alguns se dizem defensores não foi obra do acaso. A sociedade de características liberais que o substituiu mas na verdade sociedade dependente de todos um pouco, também não é fruto de altruísmos. Espera-se que as poucas entrevistas públicas oferecidas sejam o início de um debate profundo envolvendo moçambicanos de todas as sensibilidades em prol de um progresso que inclua todos. A vida deste país não se pode limitar a Maputo, aos seus bairros nobres onde habita a nomenclatura. A discussão dos assuntos de interesse nacional não se pode circunscrever a supostos detentores da razão. Aqueles que vivem no limiar da dignidade humana, os habitantes dos subúrbios e das zonas rurais deste país também deram parte de si para que este país se tornasse independente. Importa com urgência desmistificar uma tendência de idolatrar lideres e coloca-los em pedestais como se de pequenos deuses se tratasse. Os dirigentes de uma república que se pretende democrática devem estar mais perto dos cidadãos e acessíveis aos mesmos. Cabe aos ilustres libertadores e a todas as forças políticas deste país reinventar a política em Moçambique. O que tem sido feito e dito é demasiado pouco. A repetição de discursos por parte de certos políticos mostra um esgotamento evidente. Fora daqueles slogans com que infelizmente nos habituaram, já não possuem alternativas válidas para apresentar ao país e também não querem permitir que outros moçambicanos se façam ouvir. Tem de ficar claro para todos que a exclusão dos outros diminui as possibilidades de fazer avançar o país. Ficam diminuídas as oportunidades de usar recursos humanos que existem. Os insucessos que se assistem são resultados da exclusão dos outros e de uma teimosia histórica de admitir que quem não participou na luta de libertação nacional também é moçambicano com opiniões validas. São posicionamentos extremos como esses que nos colocam na cauda do mundo em termos de desenvolvimento. Esperamos que os ilustres libertadores que ainda existem ajudem com o seu saber e contribuam para que a reconciliação nacional tão necessária se concretize. Só que isso tem de ser fruto de diálogos abertos para aprendermos a não ter medo dos outros...

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Maio, o Mês da Liberdade

Caros blogueiros e bloguistas, volto à actividade, no mês da Liberdade. Quem tem sentido de história sabe que Maio começa com o Dia do Trabalhador, a celebrar um épico levantamento/marcha/protesto dos trabalhadores (creio que em Chicago, EUA) pelo valor da Liberdade laboral...de horários mais humanos e humanizantes de trabalho.
Segue-se o 3 de Maio, Dia da Liberdade de Imprensa. Tive o grato prazer de participar de uma palestra proferida por José Rodrigues dos Santos, o "pivot" da RTP nascido na Beira (tal como Carlos Cardoso, Mia Couto e outros "muzungos" que honram a moçambicanidade), nesse dia nosso dos jornalistas e dos amantes e defensores da Liberdade de Imprensa e de Expressão.
Pude debater com José Rodrigues dos Santos sobre os vícios de que enfermam os nossos "media" públicos que os impede de exercerem em pleno sua liberdade (nomeadamente a auto-censura; a consciência errada e servilista de que são empregados do governo do dia, do regime da FRELIMO); desafiei-o a falar do "Caso Berlusconi" em Itália (Silvio "Sua Emmitenza" Berlusconi, Primeiro-Ministro eleito escandalosamente pela quarta vez nos últimos oito anos; detentor de órgãos de informação e de agências de publicidade e por inerência do cargo de PM com algum poder para limitar/controlar os poderes da RAI), com ponte no "Caso Balsemão" em Portugal e como ante-câmara para Moçambique (Guebuza, o Presidente da República é na sua vertente empresarial dono do misteriosamente desaparecido de circulação semanário privado Meia-Noite e da Editora Produções Lua).
Questionei igualmente ao JRS sobre o valor do contra-informação em Portugal (um fenómeno de sátira televisiva que permitiu o exercício da crítica ao regime russo e a consciencialização política dos cidadãos moscovitas na Rússia, por uma TV privada hoje desmantelada pelo regime de Putin). Claro que eu estava a pensar comparativamente com o suplemento humorístico "SACANA" e a sua coluna da Hora do Fecho (Diz-se, Diz-se) onde se exercício da má língua, amplificação dos "whispers" e "gossips" permitem ao Jornal SAVANA (minha verdadeira escola de jornalismo!) dizer às pessoas aquilo que os seus textos jornalísticos não podem ou não conseguem dizer, numa "mistura explosiva" de opinião e informação.
Pude lá participar - ido de Chimoio onde me radicara por duas semanas por obrigações profissionais - graças ao desafio feito pelo meu ex-chefe de redacção por 2 meses no Zambeze, ex-colega de escola na extinta UFICS (curiosamente somos ambos "college drop-out" uficsianos), hoje colega (ele mais adiantado) do curso de comunicação mas em unive's diferentes (ele sempre fiel à "alma mater" UEM, eu na minha nova paixão universitária APolitécnica), sempre "camarada de ofício" nas lides do escrever e amigo: Ericino Higínio de Salema.
Maio, na celebração da Liberdade, prossegue com o recordar das duas semanas mais marcantes da história contemporânea do "Velho Continente" e do Mundo Ocidental - com implicações ideológicas no mundo inteiro, a meu ver, aqui da esquina do Hemisfério Sul, África Austral -, nomeadamente, quando em Paris, a 12 de Maio de 1968 estalou a mais histórica greve geral com cheiro à rebelião/sedição que marcou o resto das gerações mas que infelizmente por cá parece haver memória fugaz ou relapsa para valorizá-lo. Claro que estou a falar de Paris, Maio de 1968! Se a França é a terra da revolução, aquela que inscreveu os ideais de Liberté, Egalité, Fraternité (Liberdade, Igualdade, Fraternidade) como sua divisa, a partir de então legitimou-se Cidade da Liberdade Paris A Virtuosa... Ah Paris!, com a sua sumptuosidade sumarizada no Quartier Latin (ode aos escritores e cultores do saber filosófico), na catedral Notre Dame, no Musée du Louvre (Monalisa/Gioconda, A Madona dos Rochedos, O Homem do Vitrúvio... Da Vinci...Da Vinci Code!), nos Champs Elysées, L'Arc du Triomphe e nos Bois-de-Boulogne (como é bom ver o vencedor do Tour de France, a Grand Boucle, ser coroado ao alcançar os primeiros, após cruzar o segundo, depois de percorrer olimpicamente os terceiros) e epitomizada na Tour Eiffel!
Mas, para nós Africanos, Maio termina a 25 celebrando a nossa Libertação simbolizada no 25 de Maio de 1963, Dia da criação da extinta Organização da Unidade Africana, essa que o coronel da Revolução Verde, Muammar Al-Gaddafi, conseguiu transformar em União Africana... no seguimento da sua quimera (não utopia) inspirada em Kwame Nkrumah de Estados Unidos da África.
Eis, pois, que me debruço aqui, blogosferamente sobre o Valor da Liberdade neste mês de Maio. A despeito de não ser professor de História, espero ter-vos brindado com uma aula de história universal, já que infelizmente os "media" não cumprem esse papel (leiam o meu post "Walking In Memphis"...para perceberem do que estou a falar)... Essa é a minha forma de diagnosticar State of Mind dos Media. Aliás, raison d'être deste meu "métier" aqui de blogueiro (um dia espero ser bloguista, estudioso desta esfera pública).
Este post é em homenagem ao senhor Fernando Balthazar de Teixeira Lima meu amigo, "camarada de ofício", ex-PCA, correligionário (partilhamos/comungamos visões, opiniões, sonhos quanto ao futuro dos "media", do jornalismo e da imprensa, apesar da diferença de idades/gerações e de um diferendo indelevelmente marcado num dos termos da nossa recente relação patrão/empregado).
Fernando Lima foi o único jornalista de expressão lusófona seleccionado para o Prémio CNN Multichoice 2008 que premeia a excelência do Jornalismo Africano (um dia destes ainda partilho convosco a minha opinião sobre o que é jornalismo africano, não "copy and paste" do que se faz no Ocidente e, no caso de nós PALOP, no Brasil). Fernando Lima representa o que de melhor há na "velha guarda" do jornalismo em Moçambique, essa a quem atribui o papel de "guardiões da memória", e que devia ser ela o grosso dos professores a dar aulas nas faculdades de jornalismo.
Pela Memória da Liberdade, de Imprensa, Universal e de África, eu, Milton Machel, bloguei hoje...

terça-feira, 8 de abril de 2008

O Estado do Jornalismo Moçambicano segundo Josué Bila

Josué Bila, jornalista que decidiu especializar-se em questões de Direitos Humanos, assina na mais recente edição da revista electrónica internacional de DH (de que ele é editor em Moçambique) um artigo qual diagnóstico do jornalismo em Moçambique. É uma leitura mais perspicaz, mais lúcida e mais "bisturizada" relativamente às minhas interpelações sobre o Estado do Jornalismo Moçambicano, algo que o Bayano Valy também vem fazendo de forma ainda mais inteligente e persistente no seu Nullius in Verba. Este texto do Josué é um "must read". Daí que não me coibi de fazer um "copy and paste" do artigo que ele me enviou por email, o que agradeço bastante pela atenção.

Do jornalismo provinciano e faz-tudo ao jornalismo responsável

Por Josué Bila

(Dedico este artigo ao já falecido jornalista Xavier Tsenane, que, em 2001, me deu as primeiras e inesquecíveis aulas práticas de jornalismo)

“Os profissionais de informação devem evitar falar de generalidades, falar de tudo para dizer pouco; por isso, devem especializar-se em áreas determinadas, apoiadas, porém, numa cultura geral... Só abraça o jornalismo quem tem inteligência clara e amor à verdade” - Brazão Mazula (1999)

O jornalismo moçambicano parece não querer sair do período de jornalismo provinciano, faz-tudo e pré-intelectual, para o jornalismo de especialidade e responsável. Assim colocado, qual é, então, o papel dos jornalistas, órgãos de informação e do Sindicato Nacional de Jornalistas?
Permitam-me, antes, pensar que o jornalismo provinciano e pré-intelectual é aquele em que os jornalistas e os seus órgãos de informação, sem que tenham bases intelectuais sólidas e conhecimento suficiente sobre um ou vários assuntos, entrevistam, noticiam, reportam, opinam e criticam, rastejando-se, deste modo, entre a mediocridade, ignorância e desinformação, à mistura de alhos e bugalhos jornalísticos.
Contrariamente, o jornalismo de especialidade e responsável seria aquele em que os jornalistas e seus órgãos de informação têm preparação intelectual e especialização profissional sólidas, aprofundando determinadas áreas de saber, para entrevistar, noticiar, reportar, opinar e criticar, com ética e responsabilidade jornalísticas.
Em Moçambique, o jornalismo provinciano, faz-tudo e pré-intelectual é o mais abundante e está na moda. Ele está assente na produção rápida de várias notícias e reportagens por um jornalista, sem que antes tenha feito a mínima investigação ou tenha compreendido o assunto, para responder às exigências dos editores ou donos do órgão de informação ou ainda para satisfazer os seus interesses de irresponsabilidade jornalística. Em sete horas, um jornalista noticia ou reporta, sob orientações dos editores ou por iniciativa própria, duas notícias e reportagens de áreas diferentes, cujo conhecimento prévio e sólido é quase nulo. Por exemplo, em um mesmo dia, é capaz de, numa manhã, cobrir um encontro sobre as vantagens dos biocombustíveis e, numa tarde, estar em uma conferência de imprensa sobre o balanço de um evento musical, decorrido no fim-de-semana último. Esses assuntos são diferentes e requerem jornalistas de áreas específicas e não jornalistas provincianos, fazem-tudo e pré-intelectuais: não basta tomar notas e passá-las ao bloco e ao computador. Há que compreender o que se diz; criticar as notas tomadas e sistematizar a informação, de forma coerente, sábia e inteligente para o público.
Um dos defeitos do jornalismo provinciano, faz-tudo e pré-intelectual, misturado com o sensacionalismo provinciano, é perpetuar a ideia de que uma notícia, reportagem ou opinião tem qualidade quando for apresentado antes dos outros órgãos, mesmo que não tenha interesse para o nosso bem cultural, social, político, económico ou diplomático, ou mesmo não tenha sido investigado, como, em muitos dos casos, acontece. Alisto, aqui, notícias e reportagens-escândalo, sem provas. Para quê tanto protagonismo provinciano? Para quê forçar a fama instável, umbilical e negativamente profana? Em nossos órgãos de informação, o ”bom” jornalista passou a ser o jornalista-quantidade e não o jornalista-qualidade - este sabe, prevê, pensa e faz refletir. A forma como se recruta jornalistas, em nosso meio, não difere muito da forma como se admite estivadores. Este jornalismo, o provinciano, faz-tudo e pré-intelectual, ainda impercebe, nega e subestima que a qualidade de uma informação jornalística está na colocação coerente e responsável de dados atempadamente investigados, com intelectualidade, lógica e ética jornalísticas. E isso não é feito antes pelo bloco de notas, câmera, micro-fone, micro-gravador, viatura para reportagem, paginador e etc, mas, sim, por jornalismo e jornalistas intectualmente sofisticados e politicamente robustos, que não só têm uma forma local e redutora de ver e perceber o mundo e o que lhe rodeia. Entre nós, jornalistas há que estão sempre no parlamento, mas nunca leram normas sobre o seu funcionamento e direitos e deveres do deputado; já não digo uma simples leitura de alguns capítulos sobre Estado, Governo, partidos políticos e ciência política, por exemplo – isto prova o quão provinciano, faz-tudo e pré-intelectual é o nosso jornalismo.
Por isso, o jornalismo de especialidade e responsável é o quase-inexistente, entre nós, salvo raras e honrosas excepções. E o processo de sua existência é tão necessária quanto a paz e o desenvolvimento. Sugiro que a classe de jornalistas faça uma organização interna e que o Sindicato Nacional de Jornalistas desperte de sua hibernação, antes que chegue o dia de “paz à sua alma!!!”, o que não faz parte do desejável.

Organização interna
· Que um órgão de informação possa escolher duas ou três áreas-chave sobre as quais prefira trabalhar jornalística e detalhadamente (pelo menos, o telespectador, radiouvinte, leitor ou internauta procurará informar-se, sabendo que nesse órgão não será desiludido, com quantidade sem qualidade, sensacionalismo e protagonismo provinciano);
· Que os jornalistas possam dedicar-se, individualmente, em uma área determinada – lendo, investigando e estudando sobre ela, sempre e sempre;
· Que haja um programa de auto-didatismo e formação superior para todos jornalistas a curto, médio e longo prazos, bolsas de estudos, aumento substancial e robusto de salários e cumprimento de direitos laborais pelo patronato, prémios e intercâmbios nacionais e internacionais. (É louvável o esforço individual de jornalistas que concluiram o ensino superior e outros que estão por concluir, bem como a sua notável pujança jornalístico-intelectual – aqui, incluo também àqueles que, mesmo não tendo o ensino superior, mostram qualidades intelectuais, profissionalmente sofisticadas. Estendo esse louvor à Universidade Eduardo Mondlane que, através da Escola de Comunicação e Artes, oferece anualmente vagas a jornalistas. Devo dizer também que dificuldades intelectuais e académicas há que não devem ser somente imputadas aos jornalistas, mas à forma como está organizada e estruturada a nossa sociedade. A nossa sociedade, de um modo geral, não estimula nem valoriza bons pensadores, profissionais e pessoas dadas a cultura do intelecto. Estimula muito a cultura colorida. Como é possível que uma sociedade que está carente de desenvolvimento tenha mais e só estímulos públicos para jovens cantores e não haja estímulos para jovens intelectuais e jornalistas? A referência supervisível do nosso jovem passou a ser de quem mais dança e canta “dzukuta”, por exemplo; e aquele que lê, pensa, critica e escreve é invisibilizado, cretinizado, subestimado e subaproveitado, bastas vezes. Quais são os critérios que se usam para supervisibilizar uns e invisibilizar outros?). Insisto em apelidar essa atitude de provinciana, rural, mitológica e pré-intelectual, que caracteriza as acções do dia-a-dia da sociedade moçambicana.
· Os órgãos de informação deveriam doravante ter critérios de jornalismo de especialidade e responsável ou jornalismo intelectuamente sofisticado para as redacções (Já é tempo de se trazer/fazer frescura profissional no jornalismo. Os moçambicanos têm direito à informação de qualidade. E o direito humano à informação é inegociável. Se os cidadãos têm esse direito significa que alguém tem o dever de materializá-lo).

Sindicato Nacional de Jornalistas
· Que se (re) organize o Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ), para que responda às exigências de uma organização jornalística contemporânea;
· O SNJ deve promover debates sobre problemas de actualidade jornalística, cultural, social, económica e política de Moçambique, África e do mundo em geral;
· O SNJ precisa de um investimento ou avivamento espiritual e moral: os jornalistas não o tem como sua casa, não o prestigiam, nem o olham como um espaço onde possam discutir ideias, apontar os acertos e erros de sua vida jornalística e ampliar a solidariedade humana e profissional, actualmente, tão perdida quanto necessária. (O que mais se lembra do SNJ é, isso sim, meia ou uma dúzia de jornalistas e intelectuais, que se sentam a uma mesa, cujas ideias de uns, até à idade que têm, não são conhecidas, de forma coerente e marcante. Mas, devo dizer também que jornalistas e intelectuais há que se sentam à tal inesquecível mesa, que são ostentadores e detentores de um quilate racional invejável. Alguns, ainda, são intelectualmente recicláveis. Àqueloutros, não tenho comentários. O jornalista Carlos Humbelino perdeu a vida, há semanas. O SNJ olhou-o de alto a baixo, exorcizando um observar provinciano e pequenez ética sobre o colega, que deu a sua vida pelo jornalismo, independentemente de sua ideologia. Morrerá um outro, porque o nosso fim é esse, veremos uma “cerimónia de Estado”. Continuo a insistir em um jornalismo responsável e de ética social).
· Que o SNJ possa dialogar com o Governo sobre a isenção de impostos e outras facilidades para a chamada imprensa privada, porque esta presta igualmente serviço público de informação em condições materiais e financeiras desajustadas. Quem lê um jornal ou radiouve ou ainda televê alguma informação em um órgão privado é o público, o que significa que os privados prestam serviço público. Em temáticas de direito à informação, tenho dificuldades de refletir onde começa e termina o serviço público ou privado. Por exemplo, quando se noticia, por qualquer que seja o órgão de informação privada, que o Governo vai construir, ainda este ano, sete escolas no distrito de Manganja da Costa, província da Zambézia, não sei se o cidadão recebe essa informação de forma privada ou pública (os cinco sentidos e as informações valiosas que o cidadão recebe são privados ou públicos?). Estou certo, ao pensar que recebe a informação e cresce-lhe a esperança de que o seu país está a desenvolver. A isso não devemos fechar os olhos. E o desenvolvimento de Moçambique não é um assunto privado, mas de interesse público. É tempo de se discutir o sentido de público e privado, na área jornalística e no direito à informação. Aliás, embora pareça-me meio cooptativo, a decisão da presidência da República de, em viagens nacionais e internacionais do chefe de Estado, se incluir também jornalistas de órgãos privados, é uma experiência a sublinhar. Mas, há que se apoiar em meios aos órgãos privados, para que façam trabalho onde o chefe de Estado ou elemento do Governo não esteja – isto pode reduzir a auto-censura e elevar a liberdade informacional. Penso não ter estabelecido alguma causa-efeito.
· Que o SNJ possa dialogar e criar memorandos de entendimento com instituições de ensino superior para a concessão de bolsas de estudo ou vagas;
· Que o SNJ possa lutar pelo cumprimento de direitos e deveres de jornalistas; e
· Que o SNJ possa internacionalizar-se, porque, nas condições nas quais se encontra, ele é muitíssimo provinciano e decadente (há sete anos que presto alguma atenção nele). Caso o SNJ saia desse provincianismo e hibernação, poderá ajudar esta proposta contemporânea e cosmopolita: jornalismo de especialidade e responsável.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

“Walking in Memphis” ou o Triplo M (Martin Luther King Jr, Media e Memória) ou Ensaio Sobre Cegueira

Everyone has the power for greatness, not fame but greatness, because greatness is determined by service – Martin Luther King Jr


Sometimes we are blind men, leading blind men” – Mzi Ntuli, colega minha e Gestora de Programa na Oxfam GB em Moçambique

Ignorar o que aconteceu antes de se ter nascido, equivale a ser-se eternamente criança” – citação de memória, a um sábio cujo nome não me ocorre
1. Assinalam-se hoje precisamente 40 anos do assassinato, em Memphis, do Reverendo Martin Luther King Jr, Prémio Nobel da Paz, activista norte-afro/negro-americano dos direitos cívicos, divulgador-mor da doutrina da “Acção Não-Violenta” de Mohandas Kasturba “Mahatma”(A Grande Alma) Gandhi e mentor do activismo político dos reverendos Jesse Jackson, Al Sharpton e de Barack Hussein Obama Jr.

Para celebrar o homem e a obra, hoje na “Casa dos Jornalistas” haverá uma palestra, julgo eu, a ser proferida por Silvério Ronguane, filósofo moçambicano que já quis envolver-se na política mas hoje remetido à academia. Será, passe a publicidade (não paga, diga-se!), ocasião igualmente para o lançamento creio eu do futuro Instituto Martin Luther King em Moçambique (como um kinguista e americanista, estou curiosíssimo em perceber que valores pretendem instilar nesta anómica sociedade moçambicana).
Será igualmente uma chance para os kinguistas, de que me considero último na bicha, se encontrarem: espero (se nada me impedir de lá estar) encontrar o Gustavo Mavie (que sei que nas suas aulas, em tirocínio como professor universitário, falava mais de MLK Jr que propriamente de Teorias da Comunicação), o José Belmiro (esse jovem jornalista e aspirante a jurista que tem no sangue aquilo que é o ingrediente básico de um jornalista: ser rebelde por causa).

2. Quando comecei a pensar sobre esta postagem, dei-me conta de um facto, a que chamo atenção dos cientistas sociais: como muitos devem saber, os americanos não celebram este dia...embora o rememorem, pois a tradição ou cultura celebratória americana dá valor ao dia do nascimento dos seus heróis, por isso é que o dia de nascimento (15 de Janeiro) de Martin Luther King Jr é que é “National Day” nos Estados Unidos da América. Suponho que assim o seja para outros heróis da nação cujo hino é “Gob Bless America” e que inscreve na sua poderosa nota “In God We Trust”, como símbolos de que a Providência Divina é que criou a América “Super Power” e “Super Model” que todo o mundo seguir.
Pelo contrário, a nossa cultura celebratória reivindica o dia da morte dos nossos heróis como Feriado Nacional, daí que muitos não se lembrem que Samora Mandande Moisés Machel nasceu a 29 de Setembro de 1933 e Eduardo Chivambo “Chitlango Kambane” Mondlane veio ao mundo a 20 de Junho de 1920, mas saibam de côr que 19 de Outubro é dia do Desastre de Mbuzini e 3 de Fevereiro do assassinato do “Pai da Unidade Nacional”. Para os cientistas sociais, (pode ser que na academia alguém já tenha tratado isto, uma vez que sou “college drop-out” da ex-UFICS na UEM ignoro-o) fica o desafio a que pensem nisto: Moçambique (celebra o dia da morte dos seus heróis) vs América (celebra o dia do nascimento dos seus heróis).

3. Voltando ao tema em epígrafe, hoje, ao som de “Walking in Memphis” de Marc Cohn, dei uma passeata pela imprensa (porque considero-a o real espelho dos media, também porque estamos num país em que jornalismo radiofónico é apenas exercido pela Rádio Moçambique e o espectro televisivo ainda é bebé quando estamos a falar de jornalismo)... a procura do que escreveram sobre Martin Luther King Jr, passados 40 anos do seu assassinato. Desiludo-me! E espero, igualmente, desiludir-me, infelizmente, nos próximos dias, pela forma superficial com que se reportam eventos em Moçambique (espero que me desminta a imprensa, com coberturas plurais e aprofundadas não sobre a palestra, mas sobre o que se vai debater na palestra, e não sobre o Instituto Martin Luther King mas sobre o que pretende essa instituição difundir/edificar na nossa sociedade).
É que, conforme já me debrucei em ocasiões anteriores, um dos condicionantes da agenda do jornalismo em Moçambique, logo da sua qualidade, é que se (mal) pratica o EVENTS-DRIVEN JOURNALISM (jornalismo condicionado por eventos) não ISSUES-DRIVEN JOURNALISM (jornalismo conduzido por assuntos).
E mal-pratica-se (desculpem-me adulterar do inglês o malpractice) esse mesmo EVENTS-DRIVEN JOURNALISM precisamente por se reportar não o que se discutiu nesses workshops, seminários, palestras, debates, mas noticia-se a realização desses eventos “tout court” (banalizando-se os fundamentos da notícia: o quê, onde, quando, quem e como) e depois entrevista-se os mentores do mesmo para se saber das causas e objectivos do mesmo (porquê, para quê?) e FULL STOP!

4. Diante deste cenário de perda de qualidade e perante aquilo a que os estudiosos de jornalismo designam por “A Tirania do Tempo (e do Espaço)”, recomenda-se que redacções devem ter o que eu designo por...não professor Marcelino Alves, não são os “gate-keepers” desta vez!, mas “Guardiões da Memória”.

Olhando para os nossos “media”, mormente imprensa e televisão (na Rádio acho que João de Sousa e Orlanda Mendes são os eleitos), eu nomearia as seguintes figuras para “Guardiões da Memória”:
- Augusto de Carvalho no jornal Domingo, ele que não tem sabido honrar o facto de ser um dos co-fundadores (o prof. Marcelo Rebelo de Sousa e o “magnata da comunicação social” Pinto Balsemão são outros) do melhor semanário português e referência incontornável do jornalismo por excelência na comunidade lusófona, o Expresso;

- A dupla de Fernandos (Lima e Manuel) no jornal Savana/mediacoop. O Fernando Manuel fá-lo quando (o que já é raro) decide escrever crónicas jornalísticas e reportagens como só ele sabe, e mesmo de forma subtil nas suas brincadeiras da página Savana no Informal. Já o Fernando Lima cumpre esse papel ora nas suas croniquetas, ora em reportagens de viagens pelo país adentro, em que vai aproveitando aqui e ali para nos dar umas lições de história do Moçambique da era dos “Prazos da Coroa”, do tempo dos Mwenemutapa e da chamada Luta de Resistência, brindando-nos com suculentas estórias que nos fazem lembrar que a história de Moçambique não é a história dos heróis do Sul de Moçambique;

- Júlio Bicá na TVM, que já exerce esse papel, em parte, quando faz no Bom Dia Moçambique as suas brevíssimas “Páginas da História” (lembram-se deste programa no tempo da saudosa TVE?);

- Anabela Adrianopoulos na STV, o que ela muitas vezes fazia ao de leve nos seus extintos Diálogos, mas que ultimamente parece querer aderir à febre juvenília de shows sustentados pelo modelo de negócio SMS da mCel (este Capitalismo, até às Indústrias Culturais quer arregimentar!)...a não ser que (o que duvido) o desafio “Oxigénio” dela, na vertente de Cultura Geral e estímulo a descoberta de cérebros, pretenda ressuscitar algumas das boas coisas que o Vitor José fez no seu Sabadão antes de antingir a “senilidade inventiva” ou “Menopausa Intelectual Criativa”(MIC), e fazer recordar os edificantes Volta a Moçambique/Sabadar do “eciclopédico” Leite de Vasconcelos e de João de Sousa.

Falando de memória televisiva, lembro-me bem que o Vítor José descobriu aquele jovem cérebro em física chamado Alberto Adolfo (onde ele está hoje?), e recordo-me que no “Volta a Moçambique” de Leite de Vasconcelos brilhava a dupla de sábios Horácio Macedo (ainda está vivo este homem-enciclopédia?) e Maria de Fátima, tendo se destacado igualmente o jovem Erson Torre do Vale. Penso que foi mais com o “Volta Moçambique” do que nas aulas na Escola Primária “A Luta Continua” e depois na Escola Primária do Alto-Maé (dizem Paiva Manso, os que viveram e sabem de história). São apenas uns “snapshots” da minha memória à beira dos 30 anos de idade...

Tirando esses, presentes nas redacções, os outros “Guardiões da Memória” no jornalismo podem ser o pesquisador António Sopa, o multi-facético Machado da Graça, o académico das letras Calane da Silva, de entre outros que não me lembro ou que não conheço porque não sou um “connoisseur”, e nem me chamo Wiseman Nkulu (curioso o nome deste africanista...o que traduzido do inglês e do changana daria em Sábio Grande ou Grande Sábio, ou simplesmente Sabichão!).

Estes “Guardiões da Memória serão os responsáveis por:
- dar lições de cultura geral aos jovens repórteres e redactores, solidificando o sentido de história do próprio “medium” a que estão vinculados, e garantindo o “compromisso com a história”...para que os “media” não sejam quer caixas-de-ressonância da história ao sabor do regime do dia, qual “YES MEN JOURNALISM” (LAMBEBOTISMO JORNALÍSTICO), e nem sejam machambeiros das “sementes de sedição”, deturpando a história, conturbando o tecido social e perturbando às gerações mais novas e pouco (in)formadas;
- ajudar à edificação da memória colectiva, neste tempo de muita pressa, em que até o próprio jornalismo vai atropelando os “News Value” precisamente porque (escudado na tirania do tempo e do espaço) dá à notícia um estatuto de descartável, não informativa mas quiçá deformativa, permite-se que o que ontem era verdade hoje vire mentira, dê primazia à opinião ao invés da informação pura e dura. Estarão, os jornalistas de facto seniores e decanos da classe, a garantir o seguimento no processo daquilo que o filósofo moçambicano Severino Ngoenha apelou “Por Uma Dimensão Moçambicana da Consciência Histórica”.

5. Retornando ao Triplo M, é(ra) de esperar que os “Guardiões da Memória” estimulassem a investigação histórica, fizessem o “’linkage” entre as instituições que velam pela investigação, divulgação e preservação da história de Moçambique, de África e Universal; e que hoje 4 de Abril de 2008, aos 40 Anos do Assassinato do Reverendo Martin Luther King Jr, garantissem que os “media” difundissem hoje, não à moda do “Copy and Paste Approach (CP Approach)” que campeia nos nossos órgãos de informação, a obra de Martin Luther King Jr e o seu valor para a “Causa Moçambicana”, para o “Sonho Moçambicano”... Será que ainda vive o sonho moçambicano nesta sociedade nossa de capitalismo selvagem, de individualismo extremista, de consumismo doentio, ou estamos perante aquilo que Helen Prejean escreveu e a dupla Sean Penn/Susan Sarandon encenou como “Dead Man Walking”? Será que o sonho moçambicano morreu em Mbuzini? Será que já não somos ambiciosos como um dia disse Samora Machel, que “queremos ser produtores, consumidores e exportadores”?E será que algum jornal já procurou na Internet a tradução do discurso “I Have A Dream”/“Eu Tenho Um Sonho” e assim mesmo, numa saudável CP Approach, o colocou nas páginas do jornal como homenagem a Martin Luther King Jr?.

Em último, os “guardiões” desse templo chamado “Memória” garantirão que textos de história e cultura não sejam empurrados para uma “esquina” a que chamam de página de “Recreio e Divulgação”, num jornal histórico e de de referência chamado Notícias.
Enquanto não chega esse tempo de “resgate da memória”, os “media” como veículos, para renovar a minha esperança de que hoje será servido um verdadeiro “Chá da Sextas” (Fernando Manuel) de história e cultura, e porque dizia o poeta António Gedeão (cientista Rómulo de Carvalho) que “O Sonho Comanda a Vida”, vou ouvindo “devagar, devagarinho”, “leve, levezinho”, a balada de Marc Cohn, “Walking in Memphis”...

terça-feira, 1 de abril de 2008

A verdade das mentiras do 1 de Abril

Estou de volta, para gáudio do Prof. Carlos Serra e para alívio da minha auto-estima. Passam-se precisamente 4 meses e 16 dias desde que pela última vez postei aqui no Estado da Media. Entretanto, para não deixar no ócio o meu "State of Mind" (Estado da Mente), fui participando em acesos e interessantes debates nos blogues dos sociólogos desavindos (Carlos Serra e Patrício Langa), cuja "zanga intelectual" ou quiçá "metodológica" não é de todo um factor negativo na blogosfera, na "intelligentzia" e na academia nacionais. O dissenso só beneficiará à "Batalha das Ideias" (admiro El Comandante Fidel Castro Ruiz). FIM DE PRÓLOGO

Retorno a blogomania precisamente no DIA DAS MENTIRAS e, durante o dia de hoje, estarei aqui para "desmascarar", aliás, desvendar AS VERDADES DAS MENTIRAS criadas pelos nossos Media...mormente a imprensa.

Começo por destacar o diário Notícias, que na sua primeira página noticia: CARLOS QUEIRÓS NOVO TREINADOR DOS MAMBAS, numa manchete ilustrada por uma sugestiva foto triunfal de FEIZAL SIDAT e o Prof. a quem um dia chamei de "Macua Real" (bons tempos, o do finado Jornal Campeão!) quando treinou o Real Madrid É uma notícia muito bem sustentada em termos de argumentos...embora na parte que toca ao destino de Mart Nooij, o seleccionador nacional, tenham sido pouco felizes, a meu ver. Parece-me, porque o conheço "assinatura" nas suas prosas, um texto da autoria do imaginativo Alexandre Zandamela (meu ex-colega e chefe de redacção, e o Jeremias Langa então meu editor/mentor no saudoso CAMPEÃO).

O outro jornal, neste caso da imprensa electrónica, que "brilhou" neste 1 de Abril foi o Correio da Manhã (CM) propriedade do Prémio CNN Refinaldo Chilengue, o melhor jornal de economia (porque também único) do País, que na sua primeira página em caixa (não "cacha" como bem ensina o meu professor de Jornalismo I, Marcelino Alves) diz: GUEBUZA EXONERA PACHECO...com um antetítulo dizendo que NOMEIA MANDRA EM SUA SUBSTITUIÇÃO). Breve notícia, precisa, mas que denuncia-se claramente à moda 1 de Abril e não vai mais além.
Na imprensa electrónica, aliás, os faxes, quem mesmo "goleou" a concorrência foi o habitualmente fraco Diário do País (DP), que rasga a sua "front page" com um sensacional GUEBUZA EXONERA MINISTRA DA MULHER. O "lead" do DP é mesmo ilustrativo de como para fabricar mentiras eles desta vez conseguiram bater a concorrência: diz que o Chefe de Estado exonerou a Ministra da Mulher e Acção Social e o vice, Virgília Matabele e João Cândido, dos seus cargos e nomeou em despachos separados a Secretária da OMM Paulina Mateus para o cargo de ministra.
A estória está muito bem construída, sustentando-se em argumentos fortes, já relatados pelo próprio jornal faxe ou pela imprensa independente (de quem?) em ocasiões anteriores, tanto em desabono da belíssima ministra como do seu moralista primário (ou primitivo?) vice-ministro, o tal que assina a coluna Assombrações no colorido dominical sob o pseudónimo Kandiya Wa Matuva Kandiyane...embora agora os colunistas do domingo exibam a sua foto (pelo menos é pseudónimo e não há anonimato!). E, tanto o CM como o DP, sustentaram-se num argumento imbatível nos últimos tempos: as exonerações que Guebuza tem feito, qual "limpeza de balneário"...sob o sustentáculo de que "Não Há Prazos Para Mudanças"...
É interessante ver o quão criativos podem ser os "media" no DIA DAS MENTIRAS e nos restantes dias se debatam com a problemática da criatividade em ESCREVER VERDADES. Ainda vou averiguar se este ano houve ou não "festival de mentícias" pelos "media", ou se estes três é que brilharam...Posso também ser fintado pela criatividade de outros, ao aproveitarem as nossas eleições zimbabweanas para "vender papel" EM NOME DA MENTIRA.
Já agora, o que acham do papel social da mentira no dia 1 de Abril, veiculada pelos "media"?