sexta-feira, 4 de abril de 2008

“Walking in Memphis” ou o Triplo M (Martin Luther King Jr, Media e Memória) ou Ensaio Sobre Cegueira

Everyone has the power for greatness, not fame but greatness, because greatness is determined by service – Martin Luther King Jr


Sometimes we are blind men, leading blind men” – Mzi Ntuli, colega minha e Gestora de Programa na Oxfam GB em Moçambique

Ignorar o que aconteceu antes de se ter nascido, equivale a ser-se eternamente criança” – citação de memória, a um sábio cujo nome não me ocorre
1. Assinalam-se hoje precisamente 40 anos do assassinato, em Memphis, do Reverendo Martin Luther King Jr, Prémio Nobel da Paz, activista norte-afro/negro-americano dos direitos cívicos, divulgador-mor da doutrina da “Acção Não-Violenta” de Mohandas Kasturba “Mahatma”(A Grande Alma) Gandhi e mentor do activismo político dos reverendos Jesse Jackson, Al Sharpton e de Barack Hussein Obama Jr.

Para celebrar o homem e a obra, hoje na “Casa dos Jornalistas” haverá uma palestra, julgo eu, a ser proferida por Silvério Ronguane, filósofo moçambicano que já quis envolver-se na política mas hoje remetido à academia. Será, passe a publicidade (não paga, diga-se!), ocasião igualmente para o lançamento creio eu do futuro Instituto Martin Luther King em Moçambique (como um kinguista e americanista, estou curiosíssimo em perceber que valores pretendem instilar nesta anómica sociedade moçambicana).
Será igualmente uma chance para os kinguistas, de que me considero último na bicha, se encontrarem: espero (se nada me impedir de lá estar) encontrar o Gustavo Mavie (que sei que nas suas aulas, em tirocínio como professor universitário, falava mais de MLK Jr que propriamente de Teorias da Comunicação), o José Belmiro (esse jovem jornalista e aspirante a jurista que tem no sangue aquilo que é o ingrediente básico de um jornalista: ser rebelde por causa).

2. Quando comecei a pensar sobre esta postagem, dei-me conta de um facto, a que chamo atenção dos cientistas sociais: como muitos devem saber, os americanos não celebram este dia...embora o rememorem, pois a tradição ou cultura celebratória americana dá valor ao dia do nascimento dos seus heróis, por isso é que o dia de nascimento (15 de Janeiro) de Martin Luther King Jr é que é “National Day” nos Estados Unidos da América. Suponho que assim o seja para outros heróis da nação cujo hino é “Gob Bless America” e que inscreve na sua poderosa nota “In God We Trust”, como símbolos de que a Providência Divina é que criou a América “Super Power” e “Super Model” que todo o mundo seguir.
Pelo contrário, a nossa cultura celebratória reivindica o dia da morte dos nossos heróis como Feriado Nacional, daí que muitos não se lembrem que Samora Mandande Moisés Machel nasceu a 29 de Setembro de 1933 e Eduardo Chivambo “Chitlango Kambane” Mondlane veio ao mundo a 20 de Junho de 1920, mas saibam de côr que 19 de Outubro é dia do Desastre de Mbuzini e 3 de Fevereiro do assassinato do “Pai da Unidade Nacional”. Para os cientistas sociais, (pode ser que na academia alguém já tenha tratado isto, uma vez que sou “college drop-out” da ex-UFICS na UEM ignoro-o) fica o desafio a que pensem nisto: Moçambique (celebra o dia da morte dos seus heróis) vs América (celebra o dia do nascimento dos seus heróis).

3. Voltando ao tema em epígrafe, hoje, ao som de “Walking in Memphis” de Marc Cohn, dei uma passeata pela imprensa (porque considero-a o real espelho dos media, também porque estamos num país em que jornalismo radiofónico é apenas exercido pela Rádio Moçambique e o espectro televisivo ainda é bebé quando estamos a falar de jornalismo)... a procura do que escreveram sobre Martin Luther King Jr, passados 40 anos do seu assassinato. Desiludo-me! E espero, igualmente, desiludir-me, infelizmente, nos próximos dias, pela forma superficial com que se reportam eventos em Moçambique (espero que me desminta a imprensa, com coberturas plurais e aprofundadas não sobre a palestra, mas sobre o que se vai debater na palestra, e não sobre o Instituto Martin Luther King mas sobre o que pretende essa instituição difundir/edificar na nossa sociedade).
É que, conforme já me debrucei em ocasiões anteriores, um dos condicionantes da agenda do jornalismo em Moçambique, logo da sua qualidade, é que se (mal) pratica o EVENTS-DRIVEN JOURNALISM (jornalismo condicionado por eventos) não ISSUES-DRIVEN JOURNALISM (jornalismo conduzido por assuntos).
E mal-pratica-se (desculpem-me adulterar do inglês o malpractice) esse mesmo EVENTS-DRIVEN JOURNALISM precisamente por se reportar não o que se discutiu nesses workshops, seminários, palestras, debates, mas noticia-se a realização desses eventos “tout court” (banalizando-se os fundamentos da notícia: o quê, onde, quando, quem e como) e depois entrevista-se os mentores do mesmo para se saber das causas e objectivos do mesmo (porquê, para quê?) e FULL STOP!

4. Diante deste cenário de perda de qualidade e perante aquilo a que os estudiosos de jornalismo designam por “A Tirania do Tempo (e do Espaço)”, recomenda-se que redacções devem ter o que eu designo por...não professor Marcelino Alves, não são os “gate-keepers” desta vez!, mas “Guardiões da Memória”.

Olhando para os nossos “media”, mormente imprensa e televisão (na Rádio acho que João de Sousa e Orlanda Mendes são os eleitos), eu nomearia as seguintes figuras para “Guardiões da Memória”:
- Augusto de Carvalho no jornal Domingo, ele que não tem sabido honrar o facto de ser um dos co-fundadores (o prof. Marcelo Rebelo de Sousa e o “magnata da comunicação social” Pinto Balsemão são outros) do melhor semanário português e referência incontornável do jornalismo por excelência na comunidade lusófona, o Expresso;

- A dupla de Fernandos (Lima e Manuel) no jornal Savana/mediacoop. O Fernando Manuel fá-lo quando (o que já é raro) decide escrever crónicas jornalísticas e reportagens como só ele sabe, e mesmo de forma subtil nas suas brincadeiras da página Savana no Informal. Já o Fernando Lima cumpre esse papel ora nas suas croniquetas, ora em reportagens de viagens pelo país adentro, em que vai aproveitando aqui e ali para nos dar umas lições de história do Moçambique da era dos “Prazos da Coroa”, do tempo dos Mwenemutapa e da chamada Luta de Resistência, brindando-nos com suculentas estórias que nos fazem lembrar que a história de Moçambique não é a história dos heróis do Sul de Moçambique;

- Júlio Bicá na TVM, que já exerce esse papel, em parte, quando faz no Bom Dia Moçambique as suas brevíssimas “Páginas da História” (lembram-se deste programa no tempo da saudosa TVE?);

- Anabela Adrianopoulos na STV, o que ela muitas vezes fazia ao de leve nos seus extintos Diálogos, mas que ultimamente parece querer aderir à febre juvenília de shows sustentados pelo modelo de negócio SMS da mCel (este Capitalismo, até às Indústrias Culturais quer arregimentar!)...a não ser que (o que duvido) o desafio “Oxigénio” dela, na vertente de Cultura Geral e estímulo a descoberta de cérebros, pretenda ressuscitar algumas das boas coisas que o Vitor José fez no seu Sabadão antes de antingir a “senilidade inventiva” ou “Menopausa Intelectual Criativa”(MIC), e fazer recordar os edificantes Volta a Moçambique/Sabadar do “eciclopédico” Leite de Vasconcelos e de João de Sousa.

Falando de memória televisiva, lembro-me bem que o Vítor José descobriu aquele jovem cérebro em física chamado Alberto Adolfo (onde ele está hoje?), e recordo-me que no “Volta a Moçambique” de Leite de Vasconcelos brilhava a dupla de sábios Horácio Macedo (ainda está vivo este homem-enciclopédia?) e Maria de Fátima, tendo se destacado igualmente o jovem Erson Torre do Vale. Penso que foi mais com o “Volta Moçambique” do que nas aulas na Escola Primária “A Luta Continua” e depois na Escola Primária do Alto-Maé (dizem Paiva Manso, os que viveram e sabem de história). São apenas uns “snapshots” da minha memória à beira dos 30 anos de idade...

Tirando esses, presentes nas redacções, os outros “Guardiões da Memória” no jornalismo podem ser o pesquisador António Sopa, o multi-facético Machado da Graça, o académico das letras Calane da Silva, de entre outros que não me lembro ou que não conheço porque não sou um “connoisseur”, e nem me chamo Wiseman Nkulu (curioso o nome deste africanista...o que traduzido do inglês e do changana daria em Sábio Grande ou Grande Sábio, ou simplesmente Sabichão!).

Estes “Guardiões da Memória serão os responsáveis por:
- dar lições de cultura geral aos jovens repórteres e redactores, solidificando o sentido de história do próprio “medium” a que estão vinculados, e garantindo o “compromisso com a história”...para que os “media” não sejam quer caixas-de-ressonância da história ao sabor do regime do dia, qual “YES MEN JOURNALISM” (LAMBEBOTISMO JORNALÍSTICO), e nem sejam machambeiros das “sementes de sedição”, deturpando a história, conturbando o tecido social e perturbando às gerações mais novas e pouco (in)formadas;
- ajudar à edificação da memória colectiva, neste tempo de muita pressa, em que até o próprio jornalismo vai atropelando os “News Value” precisamente porque (escudado na tirania do tempo e do espaço) dá à notícia um estatuto de descartável, não informativa mas quiçá deformativa, permite-se que o que ontem era verdade hoje vire mentira, dê primazia à opinião ao invés da informação pura e dura. Estarão, os jornalistas de facto seniores e decanos da classe, a garantir o seguimento no processo daquilo que o filósofo moçambicano Severino Ngoenha apelou “Por Uma Dimensão Moçambicana da Consciência Histórica”.

5. Retornando ao Triplo M, é(ra) de esperar que os “Guardiões da Memória” estimulassem a investigação histórica, fizessem o “’linkage” entre as instituições que velam pela investigação, divulgação e preservação da história de Moçambique, de África e Universal; e que hoje 4 de Abril de 2008, aos 40 Anos do Assassinato do Reverendo Martin Luther King Jr, garantissem que os “media” difundissem hoje, não à moda do “Copy and Paste Approach (CP Approach)” que campeia nos nossos órgãos de informação, a obra de Martin Luther King Jr e o seu valor para a “Causa Moçambicana”, para o “Sonho Moçambicano”... Será que ainda vive o sonho moçambicano nesta sociedade nossa de capitalismo selvagem, de individualismo extremista, de consumismo doentio, ou estamos perante aquilo que Helen Prejean escreveu e a dupla Sean Penn/Susan Sarandon encenou como “Dead Man Walking”? Será que o sonho moçambicano morreu em Mbuzini? Será que já não somos ambiciosos como um dia disse Samora Machel, que “queremos ser produtores, consumidores e exportadores”?E será que algum jornal já procurou na Internet a tradução do discurso “I Have A Dream”/“Eu Tenho Um Sonho” e assim mesmo, numa saudável CP Approach, o colocou nas páginas do jornal como homenagem a Martin Luther King Jr?.

Em último, os “guardiões” desse templo chamado “Memória” garantirão que textos de história e cultura não sejam empurrados para uma “esquina” a que chamam de página de “Recreio e Divulgação”, num jornal histórico e de de referência chamado Notícias.
Enquanto não chega esse tempo de “resgate da memória”, os “media” como veículos, para renovar a minha esperança de que hoje será servido um verdadeiro “Chá da Sextas” (Fernando Manuel) de história e cultura, e porque dizia o poeta António Gedeão (cientista Rómulo de Carvalho) que “O Sonho Comanda a Vida”, vou ouvindo “devagar, devagarinho”, “leve, levezinho”, a balada de Marc Cohn, “Walking in Memphis”...

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