quinta-feira, 5 de julho de 2007

A morte do Semanário em Moçambique II : uma leitura diagonal às manchetes

Vou elaborar umas notas ilustrativas da "agenda da imprensa", através da leitural diagonal dos títulos/temas que os semanários em Maputo. Hoje trago o caso do Zambeze, amanhã olharei para o Magazine Independente de ontem. A análise deixo a cargo dos bloguistas e blogosurfistas.

Títulos de capa do Zambeze de hoje:

1. Com a polícia incapaz: Criminosos controlam Maputo
2. Deserção das FADM: prisão de coronel destapa ociosidade
3. Segundo Edil da Beira: Frelimo inventa estruturas para gastar dinheiro do Estado
4. Soltura do financeiro do fundo pesqueiro: Anti-Corrupção em guerra com Tribunal de Maputo
5. Areias Pesadas de Chibuto: Frelimo nega existência de conflito interno

Esses temas ocupam as primeiras cinco páginas do Zambeze e na sexta página (opinião) o deputado da bancada da RUE no parlamento, Ismael Mussá, na sua coluna Sem o Pé no Travão epigrafa: A partidarização do Estado em Moçambique.

Repare-se nas fontes de informação (anónimas ou ou que dão a cara) das notícias

Denominador comum: Frelimo/defesa e (in)segurança/corrupção
Resumindo: partidarização/politização da esfera mediática

Palavra-chave: círculo vicioso

6 comentários:

Egidio Vaz disse...

Não compreendi a sua conclusão. Parece-me problemática: Poderia explicar-me melhor o que quer dizer partidarização/politização da esfera mediática?
Ainda teríamos que nos debruçar sobre a ligação entre os media e o poder político, seja ele na oposição ou no PODER, a governar. Mas antes de ir mais longe gostaria de ver este esclarecimento.,
Abraços.

Milton Machel disse...

caro Egídio, objectivamente pretendo dizer que a que domina a agenda dos media, mormente jornais semanários é a política politiqueira: somos brindados com matérias que no fundo são de pouco ou nulo interesse público. Basta que um quadro da RENAMO acuse a Frelimo e vice-versa, já é assunto. Frelimo/RENAMO são tema constante de manchetes de jornais, mas pouco sabemos (pela cobertura dos jornais) da acção política desses partidos. É um festival do ACUSA, ALEGA(DAMENTE), SUPOSTAMENTE.
A quem realmente interessa este circo de acusações e contra-acusações? Ao público? Ou aos partidos? Quem determina a agenda dos jornais? Para que servem, afinal, as chefias de redacção e direcções editoriais? Para serventia dos políticos/partidos?

Egidio Vaz disse...

Uma questão fundamental que coloca no fim da sua reacção quem serve afinal as chefias da redacção?
Repare que já tinha feito essa questão antes , mas que julgava demasiado cedo pra fazê-la.
Actualmente as chefias das varias redacções servem às mais variados interesses. Sejam eles políticos ou empresariais.
Veja por exemplo o "acordo" assinado entre o CTA e a Soico: Através dele, a soico (grupo) passará a "divulgar" as notícias do CTA. Assim será notícia, queira ou n«ão queira. Porque você é viciado em Jrnais, irá ler essa porcaria.
Parece-me que em última análise, a blogosfera surge como espaço alternativo!
lol

Ericino de Salema disse...

Caro Miltom Machel,
Parabéns por este blog temático. Eu, que também sou um fanático dos media, particularmente dos semanários, talvez por "defeito de fabrico", cá estarei sempre, para o que der e vier.
Abraços de Ericino de Salema

Milton Machel disse...

Caro Egídio, tocaste no ponto

Eu bem que estava a tentar ir por um outro ângulo: os determinantes do "agenda setting" para os jornais, e você foi mais incisivo, como sempre aliás, ao questionar os interesses por detrás da fabricação da notícia.

O caso SOICO/CTA dá que pensar, até porque o Daniel David tem um pelouro lá (creio eu de Tecnologias de Informação e Comunicação). Não olhando tanto para a questão de conflito de interesses (a qual infelizmente não existe em lei alguma no país), apenas para a componente business. A SOICO declaradamente faz parcerias que, usando o jornal O PAÍS, servem na essência para catalizar outros negócios que musculem a STV.

O problema dos outros jornais é precisamente esse, eles nãao declaram abertamente seus aliados (tirando o caso do Domingo que nas eleições de 2004 disse apoiar publicamente Guebuza e a Frelimo) ou parceiros de negócios e ficamos duvidosos sobre a sua independência. É em relação a quê?

Por exemplo, o nosso único semanário colorido tem dedicado suplementos a Frelimo (não sabemos se o partidão pagou, ou seja é negócio, ou se é iniciativa editorial do jornal... o que é bastante sugestivo em vésperas de eleições)...

Sobre a construção da notícia, o Ericino de Salema (abraço, mano!) pode elucidar-nos mais.

abraço

Ericino de Salema disse...

O jornalismo constitui, desde os seus primórdios, a profissão que está mais exposta a críticas, dado que ele visa documentar as lógicas e as dinâmicas da vida em sociedade. É, pois, nesta esteira em que se enquadra o adágio popular segundo o qual os erros dos jornalistas estão expostos na primeira página do jornal, enquanto que os erros dos médicos estão ocultos nos cemitérios!

Tendo se apercebido disso, os jornalistas delinearam um conjunto de regras visando credibilizar o seu trabalho. Uma dessas regras foi a adopção de regras objectivantes do jornalismo noticioso. Assim, a objectividade se afigura hoje como requisito fulcral para qualquer jornalista que se quer ver longe de críticas, banais ou não.

Mas o que é objectividade? Será que ela existe? O jornalista apresenta o acontecimento tal como ele ocorreu ou ele tenta reconstruí-lo? Sendo a base do jornalismo o discurso que é apresentado em torno do que se acredita ter ocorrido ou que irá ocorrer, pode o jornalismo livrar-se dos traços subjectivos do discurso? Ao seleccionar uma palavra em detrimento doutra não estará o jornalista a ser subjectivo? Estas são algumas das inúmeras questões que podem ser colocadas quando se pretende discutir até que ponto se pode assumir que o jornalismo e/ou os jornalistas são objectivos no seu trabalho.

Na sua obra “A Verdade da Guerra”, Dos Santos (2002) afirma que muitos jornalistas consideram que a objectividade está para além das ideologias, quando, na verdade, a crença na objectividade é, ela própria, de raiz ideológica. Já Jay Rosen define a objectividade como “epistemologia dos jornalistas”, enquanto que Gaye Tuchman prefere a classificação mais prosaica de “empirismo ingénuo” .

De acordo com Dos Santos (Idem), os jornalistas, tal como todos os seres humanos, não têm acesso à realidade em si, mas apenas a manifestações da realidade. “O que eles fazem é elaborar um discurso que constitui, ele próprio, uma [re]construção da realidade”, acrescenta, deixando claro que não é, pois, uma construção aleatória ou puramente arbitrária, dado que ela emerge da percepção humana, do seu funcionamento cognitivo e das limitações do discurso.

O relato jornalístico, enquanto discurso de apreensão e expressão do real, há-de emergir, consequentemente, como uma reconstrução da realidade, e não como uma reprodução da realidade. No entanto, explica Dos Santos, para se credibilizar a cultura jornalística recorre a um determinado número de mitos que conferem ao seu discurso a ideia de que reproduz fielmente a realidade, o maior dos quais é o da objectividade.

A incapacidade de os jornalistas serem objectivos deriva de três factores:
i) eles estão subjugados pelos limites da percepção na apreensão do mundo;
ii) eles são condicionados pela sua incapacidade de exprimirem com rigor o limitado mundo a que a sua percepção tem acesso;
iii) eles subordinam-se permanentemente a um quadro de valores que não só polui a sua observação das manifestações do real, como ainda influencia a expressão dessa observação, estruturando a sua relação com o mundo.

Para Dos Santos, é este terceiro limite que domina, em termos gerais, a análise específica da subjectividade do discurso jornalístico. Ao quadro de valores suscitado pelo terceiro limite ele designa de referencial ideológico.

Num estudo clássico sobre a produção da informação, Gans (1980) relegou parte da subjectividade jornalística para o que baptizou de “valores duradouros”. Ele estabeleceu uma distinção entre valores conscientes e duradouros, observando que os jornalistas conseguem frequentemente suprir os primeiros, mas não os segundos, dado que os valores duradouros fazem parte da estrutura social e são aplicados inconscientemente pelos jornalistas.

“Para combater a subjectividade e a sua inerente relação com um referencial ideológico interpretativo da realidade, os jornalistas recorrem a um conjunto de técnicas ostensivamente concebidas para os colocar fora das ideologias, mas o que conseguem é uma mera ilusão” (Dos Santos, 2002:58).

Apesar dessas evidências todas, e visando a credibilização do seu trabalho, os jornalistas continuam a reclamar objectividade no seu trabalho. Esta deverá ser aqui vista nos moldes enunciados por Schudson (1978), por não ser objectividade na sua essência, mas um conjunto de regras – a que se designa de “ritual estratégico” – a que eles se submetem, para se protegerem dos críticos do seu trabalho.

Entre as regras a que os jornalistas se submetem para credibilizar o seu trabalho, destacam-se i) a atribuição da informação a fontes, ii) as citações e iii) o centrismo informativo.

No estudo de caso que iremos fazer no âmbito deste trabalho, analisaremos, nas páginas dos dois jornais por nós escolhidos , até que ponto o discurso jornalístico pode ter sido construído tendo em conta o referencial ideológico que visa credibilizar o jornalismo, protegendo os profissionais da crítica.

Assim, nos centraremos no seguinte: com que frequência as informações são atribuídas versus predomínio do ego do jornalista nas peças informativas que serão objecto de análise; veremos como são feitas as citações (se as fontes são anónimas ou estão devidamente identificadas, por exemplo); e como os dois semanários abrangidos por esta pesquisa recorrem, mesmo que de uma forma inconsciente, ao “centrismo informativo”, visando satisfazer, ao mesmo tempo, a esquerda e a direita.