quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O Zambeze na linha da frente: jornalismo à americana em tempo de campanha

Camaradas (sem cartão vermelho!) da blogosfera, estou de volta! Não vou fazer promessas, nestes tempos de campanha no Moçambique autárquico. Regresso oportunisticamente à propósito deste momento eleitoral.

Para quem acompanha as eleições americanas, o processo todo desde às primárias, passando pela nomeação em convenções dos dois grandes partidos e pela campanha propriamente dita...até o dia da eleição, não lhe escapará que este é um momento para a media brilhar com o seu jornalismo de escândalos.

Os escândalos dos candidatos são servidos para o público qual "buffet". Faz-se um escrutínio até ao pormenor mais mesquinho, qual "voyeurismo jornalístico" em nome da transparência e do Accountability. Eu, consumadamente homem de media, confesso que não resisto expectante pela próxima grande revelação sobre a vida dos candidatos, na América do Azul e Vermelho.

Descendo ao nosso chão eleitoral, esta semana, o Zambeze - o jornal que não se acobarda por nada, temerário - vem à capa com um potencial escândalo do candidato da FRELIMO ao Município da Beira: Lourenço Ferreira Bulha. Na dianteira, desse jornalismo à americana que procura "fussar" a vida dos candidatos. Estou na expectativa de ver, quer a media dita oficiosa (quero dizer pública), quer a chamada independente, se farão o "follow-up" deste assunto. Se será tema de campanha? (O que determina a agenda dos media, neste tempo de campanha eleitoral? Seguidismo puro da maratona das promessas e súplicas dos candidatos, na caça ao voto? Diz-se que os candidatos não apresentam o seu manifesto eleitoral...caberá a nós jornalistas perguntar no abstracto: qual é o seu manifesto eleitoral? Ou caber-nos-à perguntar aos académicos conhecedores de políticas públicas e aos planificadores das mesmas, que questões concretas devemos colocar aos candidatos?)
Gostaria de perceber dos bloggers se é um tema pertinente este, em tempo de campanha, sendo Bulha um potencial servidor da coisa pública. Estou expectante em ver se algum jornalista há-de, pelo menos, colocar o microfone e perguntar retoricamente "engraxante": Lourenço Bulha, quer comentar a matéria do Zambeze?
Que Bulha!

Adiante a matéria:

Comprovam documentos oficiais em poder do ZAMBEZE

Candidato da Frelimo a Edil da Beira envolvido em negócio ilegal de terra

Lourenço Bulha e sua mulher Eucelia Sacramento Monteiro Bulha implicados em venda de terra urbana, a troco de dívida, à seguradora IMPAR, agora SIM do Millennium-bim, por 350 milhões de meticais

Beira (Canal de Moçambique) - A terra é propriedade do Estado e não deve ser vendida ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada. É isso que determinada a Constituição da República de Moçambique no seu artigo 109. Mas é frequente ouvirmos histórias que a serem verdadeiras seriam a prova de que este preceito constitucional terá sido imensas vezes violado. Até aqui, pelo menos nós, não conhecíamos qualquer caso em que se pudesse provar que até mesmo agentes em funções em organismos tutelados pelo Estado, no que à Terra diz respeito, incorrem em violações à Constituição da República de Moçambique. Contudo, agora, pela primeira vez conhece-se um caso concreto, passado na Beira, que envolve duas pessoas que na altura exerciam cargos de elevada responsabilidade na própria autarquia e praticaram e/ou permitiram acto de flagrante violação da Constituição envolvendo uma companhia de seguros privada, a IMPAR, agora designada por SIM, em processo de venda de título de uso e aproveitamento de terra por 350 milhões de meticais . Como o comprovam provas documentais em nosso poder, trata-se de um caso que implica em negócio de compra e venda de terra o então presidente da Assembleia Municipal da Beira e actual candidato pelo partido Frelimo ao cargo de presidente do Conselho Municipal, Lourenço Bulha, e envolve ainda a IMPAR – Companhia de Seguros de Moçambique, hoje designada por SIM, pertencente ao grupo Millennium-Bim. Aliás é um caso que teve o aval do então Edil da Beira Chivavice Muchangage e mesmo até do Ministério da Justiça através da Conservatória do Registo Predial da Beira como não deixa dúvidas uma certidão emitida a 1 de Abril do corrente ano e em que vem explicito que a IMPAR “adquiriu por compra” o terreno a Lourenço Bulha e esposa. O caso está consumado e para contar esta história bastou-nos reunir documentos. Está tudo escrito e oficializado. E não há dúvidas de que o negócio é o primeiro de que se conhece prova de venda ilícita de terra em Moçambique. A questão começa com a concessão do terreno feita a Lourenço Ferreira Bulha, a 14 de Dezembro de 1998, pelo presidente do Conselho Municipal da Beira de então, Chivavice Muchangage. Trata-se de uma parcela na baixa da cidade, ao lado do Cinema Nacional, em frente da Livraria Clássica, uma empresa também alienada pelo Estado ao mesmo cidadão, Lourenço Bula. Reza o título emitido sem que houvesse pelo menos um terço de benfeitorias concluídas como recomenda a legislação, que “por tempo indeterminado” e livre de qualquer taxa – “sem nenhuma taxa anual”, como se lê no documento que estamos a citar, Lourenço Bulha é titular da autorização de uso e aproveitamento da terra de 2.535,663 metros quadrados . Trata-se de uma parcela que é contornada pela Rua António Enes, Avenida D. Diniz, R. da Cruz Vermelha e pela Rua Costa Serrão, talhão 64-A. Na Conservatória do Registo Predial conta que em 1999, a 11 de Fevereiro com o nr. de inscrição 10229, a folhas 178 do Livro F-10, foi registado a favor de Lourenço Ferreira Bulha, casado em regime de comunhão de bens adquiridos com Eucelia Sacramento Monteiro Bulha , residentes no Terceiro Bairro Ponta Gêa, foi registado o direito de uso e aproveitamento de terra, do prédio (NR. Designa-se juridicamente por prédio o terreno mesmo sem edificações) descrito sob o nr. 9954, a flhs 127, do Livro B-29, constante deste título. Já segundo o documento em nosso poder, da mesma conservatória, e sem que haja no terreno qualquer edifício construído, sendo até hoje um terreno baldio, o mesmo terreno aparece registado em nome da seguradora «IMPAR – Companhia de Seguros de Moçambique, SARL», agora SIM, do Grupo Millennium-bim. O Registo tem a data de 11 de Novembro de 2003 e está inscrito sob o n.º 16364, a folhas 118, do Livro D-18. Pouco tempo dias depois houve eleições em que venceu a Renamo e Daviz Mbepo Simango passou a ser o Edil da Beira. Lourenço Bulha, é candidato pela Frelimo a edil da Beira nas eleições da próxima quarta-feira. Daviz Simango é o actual edil e candidata-se como independente mediante proposta do Grupo de Reflexão e Mudança, liderado pelo ex-governador de Sofala Francisco Masquil.
E que prova há de que houve venda de terra? Mas que prova é esta de que Lourenço Bulha se envolveu em negócio ilícito de terras? Eis a questão que colocamos a nós próprios. Rapidamente nos chegou a resposta. O Grupo VIP é hoje o titular do DUAT, isto é do Direito ao Uso e Aproveitamento da Terra. Tendo expirado o prazo de aproveitamento que tinha Lourenço Bulha, o município concedeu o espaço a outro, mais precisamente ao Grupo VIP. Mas acontece que Lourenço Bulha não podia vender a terra porque não a aproveitou isto é por não haver feito no terreno pelo menos um terço do que prometera fazer aquando do pedido de concessão interposto no Conselho Municipal da Beira. Perdeu a concessão. Esteve mais de cinco anos com o terreno e nada construiu. Mas a seguradora IMPAR agora SIM diz-se proprietária do terreno. E porquê? Porque Lourenço Ferreira Bulha o vendeu para pagar uma dívida à seguradora.Vendeu, aliás, o título de uso e aproveitamento o que é manifestamente ilegal apesar da operação de compra e venda ter tido cobertura do próprio Ministério da Justiça. Uma cópia do contrato com o título contracto promessa de compra e venda entre Lourenço Ferreira Bulha e a IMPAR reza que o referido terreno foi valorizado em 350 milhões de meticais da velha família e serviu para pagar uma dívida de 257.435.008,00 MT. Na altura ainda vigorava a velha família do metical. Hoje serão 257.435,00 MTn. No contracto assinado a 23 de Junho de 1999 lê-se (sic): “É celebrado o presente contrato-promessa de transferência de uso e aproveitamento…”. E isto é que é manifestamente ilegal e conforma um crime dado ser uma operação não permitida pela Constituição da República e por lei. Só é permitido vender benfeitorias, não títulos de uso e aproveitamento de terra como foi o negócio, de acordo com o que vem expresso no contrato de compra e venda estabelecido entre Bulha e a seguradora. Lê-se ainda no contrato de compra e venda que a IMPAR “é credora” de Lourenço Bulha, por falta de pagamento de “vários prémios de seguro em dívida” no montante de 257.435,00 MT e que Lourenço Bulha “é titular do direito de uso e aproveitamento do talhão 64-A, sito na cidade da Beira e descrito sob o n.º 9954, a fls 127 do Libro B-29, cuja área é de 2.535,63 m2”. Consta também do contracto assinado por Bulha e pela IMPAR, agora SIM, em 23 de Junho de 1999, que Lourenço Bulha pelo presente contrato-promessa…compromete-se a transferir o título de uso e aproveitamento para a seguradora e esta a pagar-lhe a diferença entre o valor da dívida (257.435,00 MTn)e o valor por que foi avaliado o terreno (350.00,00 MTn). Dessa forma acabaram a seguradora e Lourenço Bulha por se envolverem numa negociação com todos os contornos de ilegalidade. A forma como este assunto vai ser tratado pelas autoridades poderá abrir no entanto caminho para que outros cidadãos até aqui impedidos de fazer o mesmo saibam com que linhas se podem passar a coser. Veremos qual será o comportamento da Procuradoria da República na Província de Sofala, com sede na cidade da Beira. (Fernando Veloso)